Qualidade de Energia: As Distorções Harmônicas nas instalações com inversores fotovoltaicos

|

Este artigo tem por objetivo apresentar um entendimento das Distorções Harmônicas e sua relação com a qualidade de energia. Podemos afirmar que a presença de alto conteúdo de harmônicos em um sistema elétrico implica em baixa qualidade de energia e provoca perdas adicionais em sua distribuição. Entender esse fenômeno e os seus efeitos nas instalações de sistemas de energia fotovoltaica, principalmente nos inversores, também será o nosso foco.

Antes de mais nada, quando lidamos com sistemas de corrente alternada, precisamos entender o que é frequência. A frequência é uma grandeza física capaz de medir em um determinado período de tempo, o número de ocorrências de um evento. O período nada mais é que o tempo em que se repete um ciclo completo de ocorrências, ou o tempo necessário para uma onda caminhar um comprimento de onda. Portanto, a frequência é o inverso do período (f=1/T). A figura 1 ilustra duas ondas senoidais periódicas, cada uma com sua frequência distinta e suas principais características – comprimento de onda e amplitude.

Figura 1 – Ondas senoidais periódicas e suas frequencias distintas. Fonte: Imagem do autor

Nos circuitos de corrente alternada, a tensão e a corrente elétrica se comportam de maneiras distintas dos circuitos em corrente contínua e a potência elétrica é uma dessas diferenças. A potência na rede pode ser variável no tempo ou instantânea e ela é o produto da tensão pela corrente.

Na figura 2, observamos um exemplo das ondas de tensão (v), corrente (i) e potência (p) de um circuito indutivo. No intervalo de 0 a 90°, onde v e i são do mesmo sinal, a potência é positiva e a energia será transferida da fonte para o elemento do circuito indutivo. No intervalo de 90° a 180° a potência é negativa e a energia volta do circuito indutivo para a fonte. 

Figura 2 – Exemplo de ondas da tensão, corrente e potência de um circuito indutivo. Fonte: Imagem do autor

Em sistemas de corrente alternada podemos considerar três tipos de potência conforme descrito abaixo:

  • Potência ativa: É a potência que realiza o trabalho útil na carga. Sua unidade de medida é o “Watt (W)”.
  • Potência reativa: A potência reativa representa parte da potência que é empregada nas cargas capacitivas e indutivas dos circuitos sem realizar trabalhos efetivos. Ela é usada apenas para criar e manter os campos eletromagnéticos dessas cargas. Sua unidade de medida é o “Volt-Ampére reativo (VAr)”.
  • Potência aparente: Potência total entregue pela fonte. Sua unidade de medida é o “Volt-Ampére (VA)”.

Para entendermos melhor como funcionam essas potências, existe uma ilustração muito comum utilizada na área de eletrotécnica que é o exemplo do copo de chope. A potência ativa seria o líquido, a reativa a espuma e a aparente a soma da ativa mais a reativa.  

Figura 3 – Explicando o entendimento das potências através do copo de chope. Fonte: Imagem do autor

Já o Fator de Potência é um número entre 0 e 1 e é uma relação entre potência ativa e potência reativa. Ele indica o quão eficiente é o consumo de energia elétrica de um equipamento ou circuito e influencia diretamente na performance da qualidade de energia. Quanto mais alto este número (próximo de 1), mais eficiência teremos. Matematicamente, o fator de potência pode ser encontrado pelas fórmulas abaixo:

Podemos dizer, também, que o fator de potência é o ângulo formado entre os fasores de tensão e corrente, podendo ser representado geometricamente através de um triângulo retângulo (figura 4). É importante entendermos essa relação do Fator de Potência para analisarmos quanto da potência elétrica consumida realmente está sendo convertida em trabalho útil.

Figura 4 – Representação geométrica através de um triângulo retângulo das potências. Fonte: Imagem do autor

Já as figuras abaixo ilustram projeções no eixo real da tensão e corrente em função do tempo para cada tipo de carga.

Como visto anteriormente, para uma carga indutiva, como por exemplo, um motor elétrico, a corrente está atrasada em relação a tensão. Este defasamento ocorre pois este tipo de carga requer um campo eletromagnético para seu funcionamento.

Figura 5 – Gráfico da onda de tensão e corrente para uma carga indutiva. Fonte: Imagem do autor

Para uma carga capacitiva, a curva da corrente elétrica está adiantada em relação a tensão, ao contrário da curva indutiva. Para estes casos, podemos citar como exemplo os reatores de lâmpadas fluorescentes.

Figura 6 – Gráfico da onda de tensão e corrente para cargas capacitivas. Fonte: Imagem do autor

Já para cargas resistivas, como as resistências de fornos elétricos, não temos adiantamentos de nenhuma curva pois, para estes casos, a curva da tensão e corrente estão juntas e o fator de potência será igual a 1.

Importante ressaltar que, segundo os Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica no Sistema Elétrico Nacional – PRODIST, especificamente em seu módulo 8, referente a qualidade da energia elétrica, ele enaltece:

“para unidade consumidora ou conexão entre distribuidoras com tensão inferior a 230 kV, o fator de potência no ponto de conexão deve estar compreendido entre 0,92 (noventa e dois centésimos) e 1,00 (um) indutivo ou 1,00 (um) e 0,92 (noventa e dois centésimos) capacitivo, de acordo com regulamentação vigente.”

As componentes harmônicas, como observado anteriormente, são geradas pelos tipos de cargas existentes em um sistema elétrico, que em função de sua forma de operação interferem na forma de onda senoidal da frequência fundamental do sistema, trazendo distorções nas ondas senoidais da corrente e tensão, ou seja, é um componente de uma onda periódica cuja frequência é um múltiplo inteiro da frequência fundamental, conforme exemplificado na Figura 7.

Figura 7 – A onda distorcida (à esquerda), a onda fundamental (60Hz, h=1) e os componentes harmônicos ímpares decompostos (h=3 até h=13). Fonte: DUGAN, R. C

Podemos dizer, também, que elas são fenômenos contínuos e não devem ser confundidos com fenômenos de curta duração, os quais duram apenas alguns ciclos. É comum também ser associado à crescente quantidade de acionamentos estáticos, fontes chaveadas e outros dispositivos eletrônicos. Uma outra forma de representarmos graficamente as harmônicas será ilustrado na Figura 8.  

Figura 8 – Formas de ondas da fundamental (onda na cor azul), resultante distorcida (onda na cor roxa) e 3 ª harmônica (onda na cor vermelha) e 5 ª harmônica (onda na cor amarela) representadas através do Software Octave. Fonte: Imagem do Autor

As harmônicas também podem ser encontradas em sistemas de geração com energia fotovoltaica (FV) e um dos principais componentes deste sistema é o inversor fotovoltaico. O inversor funciona convertendo a corrente e tensão elétrica contínua, que é produzida e transformada através do efeito fotoelétrico dos painéis fotovoltaicos, em corrente e tensão alternada.

Um dos modos de utilização destes inversores é através de interligação com a rede, conhecido como on-grid ou grid-tie (nas siglas em inglês), através do sistema de geração distribuída (GD). Os inversores ligados no modo on-grid possuem um controle em sua tensão de entrada e devem sempre estar conectados na rede elétrica para poder funcionar.

No mercado há diversos modelos e fabricantes de inversores fotovoltaicos. É aconselhável que se faça um estudo de potência e correto dimensionamento de carga para que não ocorram problemas na instalação ou durante a geração de energia. Se não há um estudo específico, o sistema fotovoltaico (FV) pode desequilibrar o triângulo das potências, causando a redução do Fator de Potência em determinados grupos de consumidores e trazer consequências desagradáveis.

Existem alguns problemas que podem afetar o consumidor e, consequentemente, alterar o custo da energia final, imaginando que com o sistema FV ele teria uma redução no custo. É muito importante diferenciar o que é Fator de Potência da geração do sistema FV e o que é Fator de Potência da unidade consumidora.

Por exemplo, caso um cliente estiver com FP=1 (Fator de Potência da geração FV) e mesmo assim a concessionária fizer uma cobrança de reativo deste cliente. Neste caso, os equipamentos da planta da instalação é quem necessitou de energia reativa e não a instalação de geração FV e esse reativo extra acabou vindo do sistema da concessionária (barramento infinito).

Uma atenção especial se deve também ao fato de que devemos sempre procurar trabalhar com o inversor em FP = 1 (Fator de Potência da geração FV) pois assim o mesmo trabalha em sua máxima eficiência. Energia reativa gerada pelo inversor não corrige baixo fator de potência advindo de distorções harmônicas. Importante ressaltar que quaisquer oscilações que ocorram na rede da concessionária, “tensão e frequência”, o sistema FV, por estar conectado em paralelo irá reagir, ajustando-se para manter o paralelismo.

Um outro problema que ocorre está relacionado com a saída do inversor. Podemos considerar que quanto menor for o nível de distorção harmônica da corrente de saída do inversor, menor será o impacto que estaremos causando à rede elétrica. A norma NBR 16149 traz um limite de 5% ao conteúdo de harmônicos nesta corrente de saída.

Outra consideração importante está no fato de que devemos na maioria das vezes nos preocuparmos em analisar a Distorção Harmônica Total de Tensão – DTT ou THDv (Total Harmonic Distortion, na sigla em inglês) pois esta distorção causa influência na onda de tensão da concessionária. A THDv está relacionada com o quanto o sistema de acoplamento é robusto, ou seja, quanto maiores os níveis de curto circuito, menores serão as distorções harmônicas no ponto de acoplamento. Logo, a verificação da distorção de corrente também se faz importante para a determinação de bancos de capacitores pois podem ocorrer ressonâncias paralelas indesejáveis no sistema. A tabela 1 ilustra limites das distorções harmônicas permitida pela regulação normativa da ANEEL.

Tabela 1 – Limites das distorções harmônicas totais (em % da tensão fundamental). Fonte: PRODIST módulo 8 da ANEEL.

Determinados tipos de inversores, como os da fabricante SolarEdge, com a tecnologia MLPE, que significa “Eletrônica de Potência em Nível de Módulo, do inglês: Module-Level Power Electronics, diferem de inversores mais tradicionais. Ele foi desenvolvido para operar com os otimizadores de potência a nível de módulo fotovoltaico, tornando-se responsável apenas pela conversão de CC para CA, sendo um equipamento mais simples, com melhor custo benefício e maior confiabilidade.

A figura 9 ilustra o datasheet deste tipo de inversor e alguns dados de Fator de Potência e Distorção Harmônica Total (THD).

Figura 9 – Detalhe dos dados (grifado na cor vermelha) de Fator de Potência e Distorção Harmônica Total (THD) no datasheet de um inversor da fabricante SolarEdge. Fonte: Imagem do autor

Agora, podemos reparar que esses modelos de inversores excedem o que a norma regulamentadora pede – a norma exige THD menor que 5% e os inversores oferecem THD menor que 3%.

Outro assunto importante que devemos abordar é com relação a qualidade dos componentes eletrônicos utilizados na fabricação do inversor. Sabemos que os capacitores eletrolíticos são responsáveis por manter a tensão de entrada constante e prevenir oscilações, funcionando como uma espécie de filtro, sendo considerado um dos principais componentes do equipamento ao lado dos transistores de potência, que funcionam como um chaveador, convertendo tensão contínua em alternada. A figura 10 abaixo ilustra os principais componentes de um inversor.

Figura 10 – Diagrama de bloco típico de um inversor. Fonte: Imagem do autor

Os inversores SolarEdge são compatíveis nativamente, necessitando somente do dispositivo que dê o comando externo. Essa funcionalidade é geralmente utilizada para controle de tensão, quando se necessita ajustar a diferença entre oferta e demanda de energia (por exemplo nos momentos de alta irradiância solar, quando pode haver alta oferta de potência dos Sistemas Fotovoltaicos Conectado à Rede (SFCR); o que geralmente alivia cargas dos transformadores e promove elevação de tensão). Entretanto, esse tipo de ajuste vai (ou poderia) onerar o investidor pois ao aumentar a potência reativa se reduz a potência ativa, que é a única responsável pelo retorno financeiro pela energia gerada.

A conclusão é que devemos entender o conceito das Distorções Harmônicas e sua relação com a qualidade de energia, tanto no nível macro (concessionária) quanto ao nível dos módulos de geração FV e da unidade consumidora. Devemos nos atentar, também, à resolução normativa reguladora que compete à qualidade de energia conforme PRODIST – Módulo 8 da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), que é de extrema importância para aplicação do sistema elétrico de potência e geração distribuída no Brasil. O profissional que vai elaborar um projeto elétrico de sistema de potência e geração distribuída, necessita estar alinhado com essas normativas para um sistema de alta performance. Aqui no Brasil não é comum, mas no exterior, em usinas de grande porte (vários megawatts), os distribuidores podem requerer um controle ativo de fator de potência.

Referências bibliográficas

Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Procedimento de Distribuição de Energia Elétrica no Sistema Elétrico Nacional (PRODIST) – Módulo 8: Qualidade da Energia Elétrica, 2008. Disponível em <https://www.aneel.gov.br/modulo-8>. Acesso em: 05 nov. de 2020.

Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Micro e Minigeração Distribuída: Sistema de Compensação de Energia Elétrica – RESOLUÇÃO NORMATIVA Nº 482, DE 17 DE ABRIL DE 2012. Disponível em: <https://bit.ly/3q3h2he>. Acesso em: 25 nov. de 2020.

DAZA, Eric Fernando Boeck; SPERANDIO, Mauricio. Sistema de Armazenamento de Energia Desafios Regulatórios e Econômicos para sua Inserção em Sistemas de Potência. 1. Ed. Porto Alegre: Simplissimo, 02/01/2020.

DECKMANN S. M; POMILIO J. A. IT-012 Avaliação da Qualidade da Energia Elétrica. Universidade Estadual de Campinas-FEEC/DSE. Campinas-SP. Disponível em: <https://bit.ly/39hZRl6>. Acesso em: 15 de nov. de 2020.

DUGAN, R. C., Electrical Power Systems Quality, Ed. McGraw-Hill, USA, 2012.

MACEDO, W. N. Análise do fator de dimensionamento do inversor aplicado a sistemas fotovoltaicos conectados à rede, Tese (Doutorado) – Faculdade de Engenharia Elétrica, Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, 2006.

MORENO, Hilton. PROCOBRE – Instituto Brasileiro do Cobre. Manual de Harmônicas nas Instalações Elétricas – Causas, Efeitos e Soluções. 2019.

SOLAREDGE. SolarEdge|A World Leader in Smart Energy Solutions, 2020. Produtos. Disponível em:<https://www.solaredge.com/br/>. Acesso em: 10 de dez. de 2020.

Sobre os autores:

Eng. Marcel Trombetta Pazinatto

Diretor da Célula Energia Cursos e Treinamentos, Engenheiro Elétrico, Pós-Graduado em Engenharia Eletrotécnica e Sistemas de Potência pelo UNISAL e MBA em Gestão de Projetos, redator e pesquisador. Também participa da reunião da ABNT/CB-003/CE 003 082 001 “Sistemas de conversão fotovoltaicas de energia solar”.

Prof. Esp. William Cambuhi de Oliveira

Fundador da Célula Energia Cursos e Treinamentos, Engenheiro de Controle e Automação e Pós-Graduado em Engenharia Eletrotécnica e Sistemas de Potência pelo UNISAL. Possui mais de 10 anos de experiência com projetos elétricos em distribuição conforme a ABNT NBR´s: 5410:2004, 5419:2015, 16690:2019 e 16274:2014 . Também participa da reunião da ABNT/CB-003/CE 003 082 001 “Sistemas de conversão fotovoltaicas de energia solar”. Professor e palestrante na área de energia solar fotovoltaica e projeto elétrico de distribuição e dimensionamento de componentes elétricos.

Solar Edge

Fundada em 2006, A SolarEdge desenvolveu a solução do inversor CC otimizada que mudou a forma como a energia é captada e gerenciada nos sistemas fotovoltaicos (FV). A solução do inversor inteligente SolarEdge maximiza a geração enquanto reduz o custo da energia produzida pelo sistema fotovoltaico e possibilita o retorno do investimento em um menor prazo de tempo.
Desenvolvendo habilidades de engenharia de ponta e com um incansável foco em inovação, a SolarEdge desenvolve soluções smart energy que energizam nossas vidas e impulsionam o progresso.

Ecori

A Ecori é líder e pioneira no Brasil em MPLE. É o maior distribuidor APsystems do mundo e foi a primeira distribuidora a embarcar a tecnologia SolarEdge para o país. A Ecori pesquisa e distribui as melhores e mais modernas tecnologias fotovoltaicas existentes no mercado mundial. Compartilha, treina e participa dos principais grupos, eventos e fóruns fomentando o desenvolvimento do setor. A Ecori busca desempenho superior e segurança nos equipamentos e componentes que comercializa, oferece suporte técnico e mercadológico para revendas e integradores. Mas, acima de tudo a Ecori tem um compromisso: levar a energia solar ao alcance de todos, impactando positivamente pessoas e meio ambiente.

Compartilhe esse artigo!


Tags do post


whatsapp

A Célula Energia é uma provedora de conteúdos, cursos e workshops na área de energia limpa e renovável.

CNPJ: 36.272.537/0001-58

Informações


Formas de pagamento

Entre em contato


    Desenvolvido por Semeia Propaganda.